Páginas

domingo, 20 de outubro de 2013

"Não fica natural" e outras desculpas esfarrapadas

Nicki Minaj - fiz esse post pensando em como ela era vista, então...

Quando eu era mais nova, assinava Capricho. E um dia chegou uma Capricho cuja matéria principal de beleza era sobre pintar os cabelos. Como pintar, que cores pintar, sugestões, dicas, etc. E então teve uma enorme tabela de duas páginas que cruzava cores de pele com cores de cabelo "aceitáveis" para aquelas determinadas cores de pele. Havia ainda uma foto de uma celebridade com aquela cor correspondente com o cabelo correspondente quando o resultado era "ok" e um desenhinho de uma bomba quando o resultado não era "ok".

Eu sei que o propósito era "mostrar cores que caiam como ~nasci assim~", mas ainda assim soava terrivelmente errado.

Primeiro porque a distinção de cores me soava confusa, porque eu - que sempre fui descrita como "morena clara" - me deparei com uma foto de Angelina Jolie representando pessoas ~morenas claras~ com a minha cor de cabelo (castanho escuro) e eu totalmente não consegui me identificar com ela. Aí vamos aos detalhes óbvios: pessoas negras não poderiam ser loiras, porque não seria natural (a menos que você tivesse muita atitude!), nem ruivas, e por aí segue. Enfim, restrições de cores capilares baseadas na cor de sua pele. Mas você nem acha isso um problema, certo? Eu tenho certeza que você está acostumada com isso. Todas nós estamos. Eu li Capricho durante toda a minha infância e adolescência, e aprendi de cor e salteado todas as cores de cabelo que me eram permitidas e todas que não, não eram permitidas porque... eu não era branca o suficiente. Eu absorvi esses conceitos. Passei anos da minha vida acreditando neles. Acreditando piamente que pessoas que não fossem brancas feito porcelana nunca poderiam ficar bem com cabelos platinados. Acreditando, inclusive, que cores fantasia caem melhores em pessoas brancas do que em qualquer outra cor de pele.

Eu passei minha vida toda escutando que meu cabelo era problemático. Porque ninguém sabia cortar ele direito e porque eu aprendi, na Capricho (inclusive), que se eu quisesse perfeitos cachos, era legal comprar um baby-liss para definir os cachos! Eu adquiri horror aos salões de beleza não apenas pela minha antipatia natural à lugares do gênero, mas porque simplesmente as pessoas não param de oferecer toda uma série de relaxamentos. Eu perdi a conta de quantas matérias eu li sobre como cuidar dos meus cabelos que começavam com chamadas como "como domesticar/domar/controlar seus cabelos!". Eu cresci ouvindo pessoas distinguirem "cabelo bom" de "cabelo ruim" e, acredite, uma criança sabe perfeitamente qual cabelo é bom e qual cabelo é ruim. Quando eu tinha quinze anos, foi o auge da moda de todas as meninas usarem chapinha e essa, especificamente, nunca aderi - não que passasse ilesa por ela. Eu ouvia coisas sobre como eu "deveria arrumar meu cabelo" que significava "escová-lo, alisá-lo, domesticá-lo". Não que eu não tentasse "abaixar seu volume": eu tentava. Mas meu cabelo simplesmente nunca se adequou à essa norma.

E então mesmo hoje eu vejo pessoas falando sobre que alisamento é uma questão de "praticidade". Porque cabelos lisos são "naturalmente" mais fáceis de se lidar. Porque cabelos crespos são inerentemente problemáticos, difíceis, ruins de se lidar. A textura é considerada complicada, ninguém sabe "como cortar", "não tem muito o que fazer".

Certa vez, esse ano, eu vi em um grupo de cabelos coloridos uma garota de pele morena (palavras dela, não minhas) que perguntava se poderia ficar bem com cabelos de cores diferentes. Não foi a primeira, nem a última a perguntar e a reação, em geral, foi positiva. Houve, porém, uma única pessoa que disse à ela para "pintar com cores frias", porque "cores quentes não ficam bem em peles morenas, como rosa ou laranja". Bem, uma busca na internet, essa linda, confirmou para mim o quão essa menina estava terrivelmente errada.

O negócio é que a menina acreditava que existia cores específicas que caíam bem ou não para uma determinada cor de pele. Talvez algumas pessoas não entendam a relação entre "limitar determinadas cores às peles morenas/negras" e "cabelos crespos serem considerados ruins". Bem, a relação é simples: as duas coisas são diretamente ligadas ao racismo. E... ao capitalismo. Como isso procede? Bem, é extraordinariamente simples. Não é paranóia minha quando falo de capitalismo: não se pode pegar uma opressão e fingir que ela não existe para servir à outra. Simplesmente... não dá. E quando discutimos questões relacionadas à beleza, capitalismo entra MUITO no jogo.

(mas sempre tem alguém de mimimi mandando ir pra Cuba ou defendendo capitalismo com unhas e dentes com argumentos retirados da Veja e, cara, de boa, apenas sai do meu blog)

é natural. ponto. bj. fonte da foto: dailymail
1. Porque não faz sentido limitar cores de acordo com a cor de pele.

Se você quer parecer ruiva natural estilo capa de revista, até faz sentido que as pessoas exijam uma brancura a la Lily Cole ou Marina Rui Barbosa - mas sabe de uma? Existem pessoas negras que são ruivas naturais. Assim como existem pessoas negras que são loiras naturais, sabia? Existem pessoas de muitas cores de pele com muitas combinações incríveis com cores de cabelos incríveis. Talvez algumas combinações sejam mais incomuns que outras - sim, eu sei que pessoas brancas ruivas são muito, muito mais comuns que pessoas negras ruivas (como comprova a minha dificuldade de achar fotos ilustrativas, especialmente em páginas brasileiras. Mas tive um pouco mais de sucesso e descobri, inclusive, que Malcom X tinha cabelos considerados ruivos, ainda que num tom mais escuro, o que me foi surpreendente). Mas o fato é que EXISTE.

E se existe...
... é natural.

Conclusão: se é natural, cabeleleiro, revista, portal de moda, Papa nenhum pode te aconselhar para "não pintar" de loiro porque "não é natural". Pessoas negras e ruivas existem. Pessoas negras e loiras existem. Existem naturalmente e existem independentemente do que você acha delas ou não. Existem lindamente por aí e não precisam provar a existência delas à você. Mas se você precisa de um testemunho em primeiras pessoas, bem, eu já conheci pessoas negras e loiras naturalmente. "Mas pode ser descolorante, Luna": não, não pode, porque elas eram pessoas de menos de dez anos que estudavam em uma escola que minha tia dava aula. Não tinham dinheiro sequer para ir na escola, às vezes, que dirá para um descolorante. Era loiro natural e não precisei ser cabeleleira para saber disso. Mas se isso não te convence, bem, uma busca no Google te convence ;)

O segundo ponto de porquê limitar cores de acordo com a cor de pele é ridículo: isso simplesmente não acontece com pessoas brancas.
Você não vê ninguém falando para pessoas brancas não pintarem seus cabelos de vermelho-Ariel-Princesa-da-Disney. Você não vê ninguém falando para pessoas brancas para não pintarem de rosa ou verde porque "vai ficar estranho". Sim, essas pessoas enfrentam preconceitos e são consideradas "diferentes", mas simplesmente não é na mesma proporção que pessoas negras. Ninguém fala à uma pessoa branca que é ridículo ela platinar seus cabelos até ficarem brancos, e ninguém questiona a "naturalidade" disso - ainda que, naturalmente, pessoas normalmente tem cabelo inteiramente brancos quando a) são albinas b) todos os fios se tornam brancos depois de certa idade. Mas Christina Aguilera é considerada linda e maravilhosa com seus cabelos perfeitamente platinados e Nicki Minaj é considerada estranha e bizarra.

A parte bizarra dessa história é quando se estende para cores completamente diferentes como magenta ou verde-cor-de-mato. Ninguém nasce com cabelos cor-de-rosa, sabe? Seria lindo, mas ninguém nasce. Ninguém tem cabelos naturalmente azuis da cor do mar. Não existem genes que confiram um belo púrpura ou turquesa naturalmente. Isso é inviável. Para obter cabelos nessas tonalidades, é um processo que envolve química. É um processo artificial usando corantes artificiais, criados em laboratórios. Então, cara, pessoas brancas e pessoas negras tem exatamente a mesma probabilidade de terem cabelos fantasia naturalmente que é:

zero.

Fotografia por Rodney J. G.
Mas mesmo assim eu tenho que me deparar com pessoas que acreditam piamente que cabelos rosa "só ficam bem" em pessoas brancas, pressupondo que elas fiquem "mais naturais". Então. Se seu argumento de naturalidade foi pro saco, então...
... sobra o argumento da estética.

E, bem, ele é extremamente vazio porque os nossos conceitos do "o que é bonito e o que é feio" são construídos pela sociedade. Não estou falando do papo de mulheres de cinturinha e homens exalando testoterona numa louca corrida de acasalamento aqui. Estou falando de pessoas brancas serem consideradas bonitas e pessoas negras não. Estou falando aqui de pessoas brancas terem seus diferentes visuais validados e ditos como "bonitos", "diferentes", "ousados" e pessoas negras com exatamente as mesmas modificações visuais serem consideradas "esquisitas", "bizarras" ou (sim, já vi) do "ghetto". Bem, eu acho óbvio que isso é um exemplo de racismo.

Não faz sentido você - sendo uma equipe de redação de uma revista como a Capricho, por exemplo, ou uma pessoa que trabalha em um salão de beleza - afirmar que "pessoas negras não ficam bem com tais cores" porque "não fica bonito". Nem todas as pessoas brancas ficam bem com cabelos loiros e nem todas as pessoas brancas ficam bem com cabelos curtos, mas duvido que você demonstre a mesma relutância, certo? Aposto que você consegue pensar em cinco exemplos de celebridades que usaram algo parecido (e deu certo) e pode tentar dar certo. Mas então você é tão relutante sobre "pessoas negras", ignorando completamente que elas possuem diferentes tonalidades de pele, diferentes traços, diferentes texturas de cabelo e, principalmente, diferentes personalidades. Quando você diz que "pessoas negras não ficam bem com cores quentes", como afirmou a menina que comentei no início do post, você está ignorando a imensa diversidade que existe dentro das pessoas negras. Na real, você está imaginando UMA pessoa negra que, por acaso, não fica bem com um cabelo ~rosa-choque~ e achando que todas as outras são iguais à ela e, portanto, sua ideia se tornaria válida.

Mas sabe de uma?
As pessoas não são iguais.

Você não vê pessoas brancas como iguais uma a outra. Você consegue enxergar diferenças entre Mari Moon e Audrey Kitching. Você consegue imaginar que determinadas coisas fiquem bem em uma e não em outra. Você não diria para elas para "não pintarem seus cabelos de preto porque pessoas brancas não ficam bem de cabelo preto", diria?
Então por que você faz isso com pessoas negras?

Minha irmã que achou a foto lá no Cabelos Coloridos da Depressão, mas não merecem link não porque colocam uma tag horrorosa em todas as fotos como se as fotos fossem propriedades da página e não retiradas de tumblrs gringos rs
2. Porque meu cabelo não é difícil e porque é conveniente vocês acreditarem que ele é.

É óbvio que a indústria da beleza lucra pra caramba. Academias para moldar seu corpo, suplementos, remédios emagrecedores, químicas alisantes, cremes de todos os gêneros, bases, batons, sombras, primers, implantes de silicone, rinosplatias, botox, preenchimento com colágeno, cremes anti-rugas, etc, etc, etc. Você compra revistas que te ensinam dietas milagrosas, você paga profissionais para te depilarem e escovarem seus cabelos, você paga por spa para relaxar e desintoxicar seu organismo, você paga por academia para fortalecer seus glúteos, etc. E tudo, absolutamente tudo, vai girar em torno de como é importante você fazer isso. De como malhar três vezes por semana e fazer as unhas é a mesma coisa de "se cuidar". A mídia - e aqui eu não uso ela como uma entidade malvada, mas como uma palavra para designar revistas, programas de TV e propagandas - vai se esforçar bastante para te dizer que você consumir tudo isso significa que você se ama, se cuida, se protege.

Os argumentos são todos:
"é pela higiene"
"é pela estética"
"é pelo cuidado, porque se você se ama, então você faz isso"

Chega à um ponto que acreditamos que fazer as unhas é a mesma coisa que "cuidar de si". E quando uma celebridade apresenta pelos das axilas não devidamente raspados ou o esmalte descascado, pode ter certeza, vai ter aquele zoom nos dez tablóides tratando o "desleixo" e "descuido" da celebridade como um escândalo, em letras garrafais e piadas maldosas, e pessoas se sentirão escandalizadas, porque é óbvio que uma celebridade tem a obrigação de se manter integralmente impecável e é óbvio que temos o direito de rechaçá-la quando ela foge à norma. Assim como nós também devemos nos esforçar para nos adequar à norma, enquanto possível, e criamos relações problemáticas com determinadas coisas quando não nos sentimos adequadas: como, por exemplo, quando temos problemas com a comida, sentindo culpa em "comer", porque a sensação de "se sentir gorda" é persistente. Você chega à um ponto que começa a odiar seu corpo por ele fugir aos padrões restritos da sociedade - magro (mas perfeitamente saradinho) branco, sem estrias, sem celulite, sem marcas, sem pêlos, etc, etc, etc. E... pronto.

Você percebe o ponto que chegamos aqui?
Nós temos uma sociedade que se odeia.
Nós temos pessoas que odeiam seus próprios corpos. E nós temos pessoas que desejarão se enquadrar seus corpos nas normas, porque se sentem infelizes fora delas. Porque elas vêem as celebridades sendo rechaçadas quando fogem às normas, e elas mesmas são rechaçadas - ignoradas, humilhadas ou mesmo perdem empregos - pelos seus corpos fora da norma. Todo mundo adora falar de como obesidade leva à depressão, mas o que você esperava? Pessoas gordas são frequentemente humilhadas, ojerizadas, ridicularizadas em todos os segmentos da sociedade, não conseguem empregos, são vistas como "preguiçosas" ou "nojentas" e vamos lembrar que os espaços públicos simplesmente não comportam pessoas gordas? Se você encontrar uma pessoa que passou por tudo isso sem sofrer um tiquinho, eu te dou um chocolate. Voltando à questão: nós temos, então:

a) pessoas que odeiam seus corpos;
b) uma imensa e maravilhosa indústria que vai vender à essas pessoas justamente o que elas "precisam" para... se adequarem.

Curiosamente... a mesma indústria que estimula o pensamento de que somos erradas. De que nossos corpos estão errados. E isso vira um ciclo vicioso. Isso é tão lucrativo que você não tem nem ideia. O faturamento líquido de impostos em cima de produtos de beleza, em 2009, chegou a 24,9 bilhões de reais. O Brasil já é o terceiro maior consumidor de produtos do gênero, e a gente perde só para os EUA e Japão. Isso é... apenas impostos em cima dos produtos. Eu não falei de lucros dos produtos. Nem falei das academias, nem dos spas, nem dos salões de beleza, muito menos das clínicas onde se realizam procedimentos cirúrgicos. Você consegue imaginar a dimensão disso?

O que cabelos crespos tem a ver com isso? É simples: não vivemos em uma sociedade apenas capitalista. Nós vivemos em uma sociedade racista, machista, transfóbica, etc, etc, etc. Então os padrões validados e veiculados como "aceitáveis" são... surprise! racistas, machistas, transfóbicos, etc, etc, etc! Nada mais coerente à uma sociedade capitalista e racista do que vender produtos que clareiam a pele em países onde uma cor de pele mais clara é praticamente um status social mais elevado. Nada mais lógico que dizer às mulheres, uma classe historicamente oprimida, que elas precisam se depilar, se maquiar, emagrecerem e tudo o mais para arrumar homens e que isso deve ser sua prioridade na vida.

fonte: jirano
Nada mais conveniente se aproveitar do racismo para afirmarem que nossos cabelos são "difíceis" de se lidar, monopolizar todos os meios de comunicação e então oferecer milhares de alternativas - caras e ligeiramente complicadas - para "domesticar" nossos cabelos. Nunca se esquecer dessas palavras, associando nossos cabelos à "selvageria" e "problema" - palavras associadas às pessoas negras desde que europeus cara-pálidas se deram ao trabalho de escravizar diversos povos africanos. Nada mais conveniente e confortável lucrarem em cima da generalizada desinformação que existe sobre os cabelos crespos. Nada melhor do que pegar determinados cabelos associados à cultura negra (em uma grosseira generalização aqui) e então... embranquecê-los. Porque não basta você encher seus programas de TV e revistas com modelos de cabelos esvoaçantes, você ainda tem que colocar pessoas brancas usando dreadlocks com suas carinhas sorridentes. Você tem que explicar que dreadlock se faz com cera e esquecer convenientemente que dreadlocks são NATURAIS do cabelo crespo.

Não basta você dificultar o acesso das pessoas com seus cabelos crespos às informações realmente válidas de como cuidar dos seus cabelos, você ainda tem que pegar estilos específicos relacionados aos cabelos crespos e vendê-los como se fossem da cultura branca e ocidental. Quer dizer, isso é lucro para quem? Não para mim.

O fato é que quando comecei a pesquisar na internet sobre como cuidar dos meus cabelos, eu percebi que as informações eram muito diferentes do que eu encontrava na mídia tradicional. A verdade é que cabelos crespos não são "mais difíceis", apenas demandam cuidados diferentes. Nós aprendemos que precisamos domesticá-los à base de muito creme, usar baby-liss para definir os cachos e que eles precisavam serem "perfeitamente" cacheados e, na real? Não precisa. Você não precisa nem lavar os cabelos todos os dias, assim como você não precisa penteá-los todos os dias. Eu vejo milhares de meninas reclamando que sofrem com dor porque penteiam por horas e horas, desembaraçando-os, mas você sabia que muitos cabelos cacheados costumam formar cachos mais estruturados quando você não penteia? Você sabia que as toalhas felpudas que usamos normalmente acabam agredindo nosso cabelo, deformando os cachos, e é mais legal você usar uma camiseta simples de algodão que absorve melhor a água e é mais gentil? Não, essas coisas não aparecem o tempo todo na mídia tradicional, não é? Aparecem em portais específicos sobre o assunto, mas não são tópicos correntes em uma revista Cláudia da vida, não é?

Mas interessa à essa indústria tão lucrativa vender esse ideal de "cabelo difícil que precisa ser domesticado". Interessa vender atributos como "volume" como indesejáveis.
Senão...
... o que eles vão fazer com os mais de cem tipos de escova? O que eles vão fazer com todos os produtos que prometem abaixar o volume? O que eles vão fazer com tudo isso que você não vai precisar? Oh... não se pode ter prejuízo nesse mundo. Simplesmente não rola.

A verdade é essa: seu corpo é natural. Seu cabelo é natural. Tudo em você é perfeitamente natural. Nada está onde fora de onde deveria estar: seu peso, seus cabelos, seus olhos, sua cor de pele. Ninguém pode lhe dizer o contrário. Uma sociedade que lhe diz isso só está fazendo isso porque ela lucra em cima do seu desajuste social. Ela lucra em cima da falta de auto-estima de milhares de adolescentes e do medo do envelhecimento de milhares de mulheres. É do interesse da nossa sociedade em que vivemos manter um padrão inatingível de um corpo ideal, nos fazer financiar esse padrão e julgarmos uma a outra por não alcançar esse padrão. Veja bem, quando falo "sociedade", não falo de uma entidade maligna estilo Olho de Sauron. Eu falo de pessoas.

As pessoas que são publicitárias, estilistas, donas de companhias milionárias de remédios de emagrecimento, farmacêuticas que inventam tais drogas, donas de academias e spas de desintoxicação, todas essas: elas também foram afetadas com esse modelo que praticamente se autoreproduz. Visualizá-las como coisinhas malignas que se propõem a destruir o mundo não adianta. Não estamos em uma situação bem x mal. Mas adianta refletir sobre como isso é feito e porquê isso é feito. Vale refletir para quem interessa manter esse padrão e para quem interessa destrui-lo. Vale refletir quem está se beneficiando com isso e quem não está.

E... vale começar a destrui-lo você mesma. (✿◠‿◠)


Ilustração linda para encerrar bem o post. Eu peguei da página Pretty Black Pastel, mas perdi o link, não acho mais a imagem e não sei quem ilustrou :(

domingo, 6 de outubro de 2013

Para se ler nos dias ruins (☆^ー^☆)

"Você pode fazer isso" (fuckyeahsubversivekawaii)
Esse texto é para você: a pessoa que eu sei que chora eventualmente ou que não chora nunca ou chora sempre. A pessoa que se pergunta se está fazendo tudo certo, a pessoa que procura por uma maneira de aprender a se amar, a pessoa que passou por maus bocados nessa vida e só quer paz.

A verdade é que: você pode aprender muita coisa sobre movimentos sociais e mecanismos de opressão. Você pode ser capaz de saber conscientemente que está tudo bem ser gorda, que está tudo bem ser gay, que está tudo bem ter depressão, que está tudo bem ser qualquer coisa. Você pode passar anos sabendo que seu reflexo distorcido no espelho nada mais do que produto de uma sociedade doentia e obcecada por padrões de beleza, você pode saber perfeitamente que seu relacionamento amoroso atual tem doses de sentimentos possessivos e manipulações psicológicas em um nível alarmante e saber que isso não te faz bem, você pode saber que você tomou a melhor decisão do mundo para você e sabe que o julgamento em cima das suas decisões estão baseadas em ódio e controle. Você pode saber tudo isso.

Nada disso te impede de se machucar.
Nada disso te blinda das nossas pequenas crueldades diárias.

Para você,
minha querida pessoa que sofre agressões e reproduz agressões - com outras mesmo não querendo, com você mesmo odiando mais ainda a si.
Esse texto é inteiramente escrito para você e, talvez, eu consiga atingir uma ou duas pessoas. Isso me fará feliz, por ora.

Eu queria te dizer que tudo ficará melhor. Que as coisas se ajeitarão e um dia seremos uma linda comunidade humana que viverá de hortas comunitárias. Sem trabalho escravo. Sem partidos religiosos esquisitos que vociferam contra liberdades individuais o tempo todo. Sem duvidosas alianças políticas. Um mundo em que você sinta que se integrou perfeitamente, um mundo que seja legal fazer parte, um mundo maravilhoso, como uma utopia. Eu queria te dizer que se a gente lutar muito agora, vamos conseguir atingir esse paraíso daqui a alguns anos. Que talvez a gente consiga ver tudo isso antes de morrermos. Mas seria mentiroso da minha parte: as nossas chances não são as melhores, o nosso movimento ainda tem rachaduras difíceis de se consertar e o outro lado da batalha tem recursos e pessoas com muito mais poder do que nós. Foram historicamente preparadas para isso, ao passo que estamos em desvantagem porque isso aqui não é uma guerra: é um massacre, físico e psicológico.

Mas eu queria te dizer bem baixinho:
você não é a única pessoa que se sente sem esperanças.
você não é a única pessoa que sente ódio de como mundo foi feito.
você não é a única pessoa que queria que as coisas fossem diferentes.
você não é.
"Lembretes: você é uma ótima pessoa. / eu amo você muito, muito mesmo / você merece amor / você merece atenção / você merece respeito / e você merece muito, muito mais / está okay bagunçar / está okay estar errada / está okay estar chateada / está okay chorar / você é amada"(fuckyeahsubversivekawaii)
Eu sei que tudo parece muito ruim, e eu sei que dá vontade de abandonar tudo e viver no meio do mato. Eu sei que é horrível viver em um mundo em que você viva em permanente estado de alerta, e eu sei que às vezes não há saída a não ser desabar. Muitas pessoas morreram em todos esses anos, e morreram por serem quem são, por terem gritado sobre quem são, por terem se recusado a viver como todo mundo queria que vivessem. Seus nomes foram apagados da nossa história, suas histórias esquecidas. Elas não se mataram, e você sabe disso. Nós matamos elas. Nós, enquanto sociedade, assassinamos pessoas todos os dias, seja desovando travestis em valas, seja destruindo a auto-estima de mulheres estupradas, seja acabar com qualquer perspectiva de futuro de uma criança negra e pobre. E então chamam de suicídio a morte de tantas pessoas que tomaram muitos remédios, por exemplo, como se a morte fosse uma escolha no caso delas, mas eu e você sabemos que não foi. Elas simplesmente terminaram o serviço que nós começamos. E eu sei que a boca fica seca e a garganta dá um nó de ódio a cada notícia de estupro, a cada comentário defendendo estupradores, a cada página de ódio, a cada discussão estúpida, a cada pai e mãe que não aceita, a cada escola que expulsa, a cada namoro e marido e homem de qualquer gênero que violenta, a cada emprego negado, a cada bala perdida de nobres policiais atirada coincidentemente em pessoas negras, a cada amizade perdida, a cada pessoa que desaponta. Parece ruim e parece que não se pode lidar com isso.

Vou ser honesta: às vezes não dá para lidar.

Às vezes a cota simplesmente extrapola, e então eu só posso lhe dizer: não vai passar, mas é possível não morrer de desgosto. É possível ainda ficar de pé e querer alguma coisa melhor. É possível você ainda continuar com raiva e essa raiva lhe fazer bem, é possível você ainda continuar insistindo em seus ideais, é possível. E eu sei que essa humanidade, linda e maravilhosa do jeito que é, não tira uma folga de foder as minorias diariamente, mas é possível conseguir alguma melhora enquanto vivermos. Pode acabar não sendo o lindo mundo que imaginamos, mas é possível que alguma coisa melhore. Não, você não errou ao desejar um outro mundo, uma outra maneira de fazer as coisas. Não, você não falhou ao vacilar e acabar se odiando mais uma vez. Não, você não está sendo hipócrita quando fala tanto da importância do amor-próprio e acaba se encontrando em relacionamentos possessivos e controladores que não sabe como entrou neles. Não, você não é incapaz e sim, a gente te ama.

A gente te ama.
Você não sabe disso, mas a gente te ama.

Meu bem:
eu queria te motivar, mas acho que não consegui. A real é que a sensação de dar murro em ponta de faca é forte, forte demais para eu ignorar. Mas o que vai acontecer se eu simplesmente achar que nada vai mudar de qualquer jeito e dar as costas? O que vai acontecer se eu me permitir ignorar os erros dos nossos ancestrais? O que vai acontecer se eu ficar em silêncio? Talvez o mundo não mude, mas e eu? E você? E se você cair, eu caio junto? Se eu cair, tu cai também?

E se nenhum de nós cair?
E se a gente insistir em ficar de pé e ainda chamar todo mundo pra ficar de pé?

E se você pergunta: e se eu tropeçar e achar que não dá mais?
Tudo bem.
Ainda somos pessoas e somos pessoas vulneráveis. E não há vergonha em admitir isso. Porque estamos em desvantagem, meu bem, e todo mundo sabe disso.

Quando você tropeçar, a gente te segura. Quando você quiser desistir tudo, a gente te entende. Quando você quiser estar na linha de frente, a gente te dá cobertura. Quando você quiser desabar e chorar num cantinho, a gente te abraça.
Mas não se sinta como se fosse a única pessoa do mundo a lidar com essas coisas.
Não se sinta só.
Você não está, acredite em mim :)

"Pessoas que fazem você se sentir mal sobre você mesma não são pessoas para você" (fuckyeahsubversivekawaii)