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quinta-feira, 21 de março de 2013

21 de março de 1960

Massacre de Sharpeville - 21.03.1960

 53 anos atrás, vinte mil sul-africanos protestaram contra uma lei que os obrigava a ter um cartão onde estariam escritos os lugares por onde eles poderiam transitar. Obviamente uma reação contra o apartheid e toda a segregação absurda entre negros e brancos na África do Sul, e mesmo sendo um protesto pacífico, a polícia atirou, matando 69 pessoas e ferindo 186. Esse evento foi chamado de Massacre de Sharpeville, e a partir daí a UNESCO estabeleceu que o dia deveria ser lembrado, recebendo o nome de Dia Internacional contra a Discriminação Racial.

Não foi o primeiro massacre da Àfrica do Sul. Não foi sequer o último.
Não foi nem mesmo o mais sangrento de todos.

Então eu não quero saber se você é branca e tem orgulho da sua cor. Eu tenho certeza que você deve amar sua família e seus ancestrais, e não tem nada de errado com isso, mas propagar aos quatro cantos sobre como você sente um imenso orgulho da sua brancura, vivendo em uma sociedade tão racista, só faz com que você seja uma pessoa estúpida. Essa semana, uma garota de doze anos foi espancada em Brasília, DF, apenas por ser negra. Até onde nos consta, estamos em 2013. Racismo até mesmo se tornou crime e, no entanto, uma garotinha ainda é espancada por outras três garotas por ser negra. Expressamente por esse motivo. E como se isso não bastasse, comentaristas por toda a internet fazem questão de

a) duvidar da palavra dela, afirmando que o mais provável é que ela tenha roubado o namorado de uma das meninas e estivesse com vergonha de falar, inventando que sofreu por racismo;
b) perguntando o que ela estava fazendo no beco e, como assim, ela errou o ônibus, por que quem erra o ônibus nesse mundo? e
c) dizer com todas as palavras que é branco e que sente orgulho da própria raça, como se alguém tivesse perguntado.

Eu não sei quem eu acho mais insensível.
 

Eu já falei muitas vezes, no twitter, aqui no blog, no Pernície, etc, etc, etc que não existe problema em ter alguma característica privilegiada. Você não tem porquê se culpar por ser uma pessoa branca, ou por ser um homem, ou ser cissexual. Você não precisa se envergonhar da sua heterossexualidade ou do fato de não ter nenhum tipo de deficiência. Mas quando você possui um desses privilégios e faz questão de dizer que tem orgulho dessa característica, especialmente em notícias do gênero, você se torna, sim, uma pessoa cretina. Não tem nada de errado em ser branco, mas tem algo muito errado em você acreditar que você ter orgulho da sua brancura é a mesma coisa que uma pessoa negra ter orgulho da sua negritude. É uma questão de contexto muito diferente. Uma pessoa branca nunca vai passar por todo o processo de culpa, vergonha, discriminação com a própria cor como uma pessoa negra. Uma pessoa branca tem sua cor e aparência validadas por todos os meios de mídia. Ela é o "default". Ela é representada nas novelas, filmes, livros, séries, propagandas e quando você contar uma história para outra pessoa sem especificar a cor dos personagens, eventualmente a pessoa imaginará que os personagens são brancos. Porque nós vivemos em uma sociedade no qual a pessoa branca é o padrão. A pessoa branca não tem um histórico de opressão, discriminação e sofrimento baseada na cor.

Talvez você seja descendente de italianos, alemães ou algo do gênero e você sinta orgulho pelos seus avós ou bisavós que sofreram diante do trabalho em condições insalubres e do fato de serem estrangeiros na nossa terra. Mas, veja bem, eles não sofreram aqui no Brasil por serem brancos. Eles sofreram por muitos motivos, mas o fato de serem brancos não era um deles. Você não pode usar isso como um argumento. Você não pode dizer que sente orgulho da alvura da sua pele por causa disso, porque a alvura da sua pele não foi o motivo que fez seus ancestrais serem duramente discriminados. Na verdade, o fato de seus ancestrais serem brancos e europeus foi um dos vários motivos do governo brasileiro prometer mundos e fundos para os europeus pobres que vieram para cá: a cor branca deles era desejada, para que o nosso país se tornasse cada vez mais branco.

Então, por favor, se você é uma pessoa branca, não diga que sente "orgulho da sua cor" como se fosse a mesma coisa que uma pessoa negra sentir orgulho da cor dela. Você não teve que aprender a aceitar que sua cor era bonita, porque toda a mídia já disse isso para você. E você pode até dizer que há pessoas que dizem o quão branquela você é e que você precisa de sol, e eu entendo que o bullying lhe causa sofrimento, mas veja só: para cada pessoa branca que sofre um doloroso bullying por não ser bronzeada o suficiente, há dez ou quinze ou cinquenta pessoas negras que são desconsideradas para empregos, que sofrem batidas policiais sem motivo, que tem a sua auto-estima reduzida por toda uma sociedade que se empenha em dizer que ela precisa alisar o cabelo, afinar o nariz e qualquer outra coisa que as façam "parecer mais brancas". Não é como uma competição de sofrimento. Não estou dizendo que seu sofrimento é menor. Para você, não é, obviamente. É uma questão de que há um bullying com você, em especial, que não tem uma estrutura perversa por trás como acontece com o racismo.

Não trate a escravidão como um motivo de piada. Não desvalorize, nem por um momento, o sofrimento dos antigos escravos. Nunca diga que "o racismo é dos próprios negros", tentando se livrar da própria responsabilidade. Não incentive, nem amenize o horror do trote que estudantes de Direito na UFMG fizeram, pintando uma caloura de preto e a encoleirando como uma escrava, e o veterano segurando a corrente como um feliz dono de escravos. Não diga que seu trabalho parece uma senzala, a menos que pareça mesmo. Eu sei que é muito cômico dramatizar a sua situação comparando-a ao trabalho dos escravos nos engenhos no Brasil, mas acredite: não é algo que você gostaria de comparar realmente. Pense nos mais de onze milhões de africanos forçados a saírem de suas terras natais para trabalharem em países estranhos, tratados como escravos, em condições completamente insalubres. Pense na escravidão como o Holocausto: uma experiência de tamanho horror e crueldade que incomoda as pessoas só de pensarem que ela existiu por anos, sendo aceita e tolerada por todos. Por que foi assim.

Foi exatamente assim.

Cicatrizes em um escravo

1 comentário:

  1. Uma vez eu tava numa discussão em relação à posição do negro na sociedade brasileira, identidade cultural e física, racismo, e comentei que não existe um brasileiro que possa se autodenominar 'branco', já que somos mestiços, não importa quão branca nossa pele pareça. Aí uma das pessoas que estava participando da discussão logo tomou ar e falou 'Eu não!'. Engraçado é que essa mesma pessoa estava anteriormente fazendo um discurso bem antirracista e sobre aceitar sua herança. Sério, eu ri. Porque essa criatura, realmente, na aparência não tem traços afros, era muito branca, cabelos e olhos claros. Mas sinceramente? Se cavar bem fundo, vai ver que tem o pezinho na senzala. Não EXISTE brasileiro sem herança afro, mesmo que essa mistura na família tenha acontecido 4 séculos atrás e após não havido mais mistura. Na verdade, a própria história diz que tudo começou no continente africano, os primeiros hominídeos começaram a se espalhar a partir de lá. "Mama África" é Mãe por uma razão.

    Eu acho engraçado pessoas assim, que não têm a capacidade de admitir sua herança africana, mas se dizem sem nenhum preconceito. Já percebeu que os descendentes diretos de europeus no Brasil fazem o maior auê porque descendem de alemães/poloneses/ucranianos/italianos/etc, mas quando tem a ver com África, pulam fora. Sendo menos má: quando tem a ver com os socialmente excluídos, não-brancos, como os latino-americanos, por exemplo. Nem um pio. Pode ver, é só assistir uma reportagem sobre imigração no Brasil: os jornalistas exaltam de tal maneira a imigração europeia como se fosse o ápice de importante, mas ignoram outros povos igualmente importantes para a cultura e formação do país.

    As pessoas se irritam quando dizem que na constituição diz que são direitos iguais para todos, mas o negros têm vantagem. A Constituição diz isso no que se refere em Direitos Iguais PARA OS IGUAIS. Existe igualdade nesse país? O negro/índio ocupa o mesmo espaço que o branco? Negro na rua à noite é sinônimo de assaltante, o branco também? A igualdade tem que primeiramente ser acalçanda, e estamos lutando para isso. Mas que não ousem dizer que sofrem 'preconceito' devido à cor branca e exigem reparação. Me poupem. O sofrimento é grande, mas nada comparado à uma luta de mais de um século, desde a Lei Áurea.

    Ótimo post, Luna. Gostei muito da forma que você abordou a questão. O trote da UFMG foi uma brincadeira sem graça e de mau gosto, altamente condenada por diversos grupos de estudantes de direito. Me incluo nesses.

    Brincadeira tem limites. Essas 'crianças', obviamente, nunca aprenderam isso.

    Beijos

    Thaís

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